Paulo Sílber - jornalista
É muito suspeita a convergência de argumentos entre o governo federal, flagrado na corrupção, e as empresas pegas na boca da botija fraudando a carne.
Parece um acordo de canalhas. Ambos os lados minimizam o problema. Ignoram a gravidade do crime. Fingem que não veem o dolo dos criminosos. Fazem de conta que a fraude não afeta a saúde das pessoas. Dissimulam o evidente abalo na economia do País. Agem feito o menino que fura o pé no prego enferrujado e diz à mãe que foi só um arranhãozinho. Até sentir os sintomas do tétano.
O governo federal deveria prestigiar a investigação, não minimizar o crime. É nessa hora que se escolhe entre a legalidade e a patifaria. Patinar entre os dois ambientes é apostar na queda. O que se vê é uma verdadeira Operação MMC, em que as culpas que se multiplicam na relação promíscua entre fiscais e empresários são decompostas num valor supostamente aceitável, como na operação matemática.
O que se deseja encobrir é justamente aquilo que não se pode esquecer:
1. Um ministro foi citado na apuração dos fatos: Osmar Serraglio, da Justiça, ex-deputado pelo PMDB do Paraná, onde atua seu protegido, o fiscal agropecuário Daniel Gonçalves Filho, dono de longa ficha corrida de irregularidades no serviço público e agora acusado de liderar a máfia da carne.
2. Outro ministro é diretor licenciado da mais poderosa indiciada: Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, ex-mandachuva da J&F, holding que controla o frigorífico JBS, dono da Friboi.
3. Um terceiro ministro é gigante do agronegócio e também pecuarista: Blairo Maggi, ministro da Agricultura, primo de Eraí Maggi. Os empreendimentos da família em Mato Grosso faturam, só com a criação de gado, mais de R$ 50 milhões por ano e os abates (que abastecem os frigoríficos implicados) somam 40 mil cabeças anuais.
4. Se não bastasse, a Justiça vê nesse imbróglio indícios de favorecimento do partido do presidente da República (PMDB) com o dinheiro da corrupção amealhado pela máfia da carne.
Alegar que o número de empresas acusadas pela fraude é muito pequeno, no grande universo de frigoríficos existentes no mercado, não é mentira. É uma falácia! Dentre as indiciadas, estão as gigantes JBS e BRF, que dominam a produção, distribuição e exportação desse mercado. Não estamos lidando com travessura de criança; é crime de gente grande.
Gente que é capaz de, sem qualquer escrúpulo, vender para 1.000 ou 8 milhões de pessoas pedaços de carne estragada. Gente que falsifica prazos de validade nas embalagens, exporta salmonela para a Europa, injeta água para fraudar o peso dos produtos, usa cabeça de porco para encorpar derivados e maquia cortes em decomposição com ácido ascórbico para vendê-los como nobres. Nem precisa citar o papelão, ainda mal explicado. Isso tudo não é nada? Foi sem querer querendo?
A maior operação da Polícia Federal, no curso de uma investigação de quase dois anos, cujos custos não são desprezíveis, será tratada com desprezo, ainda que tenha revelado uma quadrilha tão inescrupulosa como essa, capaz de pôr em risco a saúde pública e abalar a economia nacional?
O ministro da Agricultura ofende a Polícia Federal, afronta a Justiça e subestima a inteligência do cidadão quando revela a habilidade com os panos quentes. E o presidente da República debocha da sociedade ao deixar de fora da reunião de domingo com empresários e exportadores aquela que seria a presença mais importante: a Polícia Federal.
Não foi por acaso que a reunião acabou numa churrascaria, que não trabalha com carne de origem brasileira. A próxima será numa pizzaria.
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